Intelectual inconformado, arquiteto desafiador e humanista apaixonado

Em seu escritório, no quinto andar do histórico prédio do IAB/SP, na Vila Buarque, centro da capital paulistana, Paulo Mendes da Rocha sente-se “o dono da casa”

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Como tem a chave da porta do prédio, pode virar duas, três noites sem dormir elaborando projetos, imerso entre estantes com caixas de papelão, maquetes (algumas feitas por ele mesmo) e uma colagem de Flávio Motta na parede amarelada. “É um ir e vir sem dificuldades”, comenta ele com a satisfação de não ter que passar por seguranças e roletas.

Com igual facilidade, aos 87 anos de idade o mais renomado arquiteto vivo do Brasil circula cada vez mais pelas grandes mostras, seminários e celebrações internacionais de Arquitetura, junto com a esposa e designer de jóias Helene Afanasieff. Sem afetações de celebridade, transita nesses ambientes com a mesma naturalidade com que costuma fumar um cigarro – vício antigo – olhando o edifício Copan pela janela de seu escritório ou comer um churrasco no restaurante gaúcho da esquina. Nem poderia ser de outra forma para quem tem ideia de que “estamos em cima de um planetinha, girando perdidos no universo”.

Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-americana em 2000, Prêmio Pritzker (“o Nobel da Arquitetura”) em 2006, em fins de maio de 2016 esse homem “ao mesmo tempo modesto e poderoso”, nas palavras do curador da Bienal de Arquitetura de Veneza, o arquiteto chileno Alejando Aravena, será o grande homenageado na cerimônia de abertura da mostra. Os principais nomes da Arquitetura mundial lotarão o gótico Palazzo Giustinian, às margens de um dos canais da cidade, para presenciar sua premiação com o Leão de Ouro da Bienal desse ano.

“Para os arquitetos, esse talvez seja o prêmio mais encantador possível”, disse Paulo Mendes da Rocha ao jornal O Globo, com seu jeito doce de se expressar. “A figura do leão alado, que compõe o troféu, é emblemática e muito linda. Eu nunca esperei ganhá-lo. Foi uma grande surpresa, principalmente pela forma como foi anunciado, exaltando o conjunto da minha obra. Mas faço questão de falar que todo o trabalho é coletivo. Logo, é muito interessante para os arquitetos brasileiros, para nossas escolas daqui, saber que nosso trabalho está sendo visto e reconhecido pelos grandes nomes do meio”.

Primeiro brasileiro a ganhar o prêmio, Paulo Mendes da Rocha é um dos expoentes da chamada “escola paulista”, grupo de arquitetos modernistas liberado por Vilanova Artigas. São de sua autoria projetos como o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), a reforma da Pinacoteca do Estado, e em conjunto com o filho Pedro, o Museu da Língua Portuguesa, todos em São Paulo. Entre seus trabalhos mais recentes estão o novo Museu dos Coches, em Lisboa (Portugal), aberto ao público em 2015, e o Cais das Artes, em Vitória (Espírito Santo), sua cidade natal, ainda não concluído.

A indicação de seu nome para o Leão de Ouro foi feita pelo curador Alejandro Aravena, ganhador do Prêmio Pritzker de 2016, para quem Paulo Mendes da Rocha é “um dos últimos humanistas remanescentes” e um “guerreiro contra clichês”.

Ao acatar a sugestão, o Conselho de Diretores da Bienal, presidido por Paolo Baratta, destacou que “o atributo mais marcante de sua arquitetura é a atemporalidade”.

“Muitas décadas após serem construídos, cada um de seus projetos resiste ao avanço do tempo, tanto estilisticamente como fisicamente. Essa consciência estarrecedora pode ser resultado de sua integridade ideológica e sua genialidade no campo estrutural. Ele é um desafiador inconformado e, ao mesmo tempo, um realista apaixonado”, diz nota do colegiado.

O Conselho de Diretores ressaltou também as áreas interesse de Paulo Mendes da Rocha para além da Arquitetura, englobando temas políticos, sociais, geográficos, históricos e técnicos. “Ele tem sido um modelo para muitas gerações de arquitetos no Brasil, América Latina e em todos os lugares. É uma pessoa capaz de unir esforços compartilhados e coletivos, bem como alguém capaz de atrair outros para a causa de um melhor ambiente construído”. De volta à sua rotina, cabe bem aqui lembrar uma das frases que o arquiteto gosta de repetir com humor e sabedoria: “essa é a grande graça da questão”.

Com esse site especial, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR) junta-se, orgulhosamente, a essa justa homenagem a Paulo Mendes da Rocha.

 

Júlio Moreno é jornalista, chefe da Assessoria de Comunicação Integrada do CAU/BR


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