Entrevista
Reduzir o consumo energético das edificações nos seus diferentes ciclos de vida é um dos desafios para a sustentabilidade na arquitetura. Diante do esforço mundial para enfrentar o aquecimento global, arquitetos e urbanistas são provocados a refletir sobre formas de diminuir o consumo de energia em diferentes etapas e áreas de atuação, do projeto à arquitetura de interiores.
O tema é a especialidade da colombiana Maria Andrea Triana, arquiteta do Laboratório de Eficiência Energética da UFSC-LabEEE, que palestrou sobre “Eficiência energética na Arquitetura” durante o I Fórum de Energias Renováveis. O evento, promovido em maio pela Sociedade de Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Alto Irani (Seai) em Xanxerê, teve o apoio do CAU/SC.
Nesta entrevista concedida por e-mail, a arquiteta oferece ferramentas técnicas para a redução do consumo energético nos setores residenciais, comerciais e também nos planos urbanísticos. Também aponta a desconexão entre as demandas de redução energética e as leis que regem o espaço urbano. “Todas as nossas ações criam impactos no meio ambiente. Porém temos o dever com a nossa geração e com as gerações futuras de buscar um desenvolvimento que esteja alinhado com o objetivo da sustentabilidade”, defende a arquiteta.
Leia a entrevista na íntegra:
O que é eficiência energética?
Eficiência energética nas edificações é alcançada quando se realizam os mesmos serviços ou se obtém os mesmos resultados usando uma menor quantidade de recursos energéticos. A ideia é que uma edificação apresente um bom desempenho e conforto térmico para os usuários, com um menor consumo de energia.
Porque este conceito é importante para a arquitetura?
Quando se fala em sustentabilidade nas edificações, uma das questões primordiais que se aborda é o uso da energia. A indústria da construção ocasiona um alto impacto ambiental. Os edifícios (considerando os residenciais, comerciais, de serviço e públicos) representam 51% do consumo de energia elétrica no país e a tendência é de aumento por conta de vários fatores, entre eles aumento da população, busca por maior conforto, mudanças climáticas, entre outros. O aumento do consumo de energia na operação das edificações também implica no aumento das emissões de CO2, causadoras do efeito estufa.
Os edifícios consomem energia durante todo o seu ciclo de vida, isto é, na construção das edificações é consumida energia através da fabricação dos materiais e componentes que são usados, chamada de energia incorporada nos materiais. Durante o funcionamento das edificações é consumida energia tanto na operação, quanto na manutenção da edificação e finalmente pode ser consumida energia na sua fase de desconstrução ou pós-uso, dependendo do destino final da edificação.
Políticas em diversos países estão buscando uma redução no consumo energético das edificações, indo até conceitos de edifícios de energia zero ou de zero emissões.
Igualmente, Brasil é signatário do COP 21 de Paris onde se buscou propor ações para limitar o aquecimento global a 2ºC, e preferencialmente a 1,5ºC. Entre as ações propostas para as contribuições nacionalmente determinadas do Brasil – iNDCs para alcançar a redução de emissões de 37% em 2025 e 43% em 2030 com base no ano de 2005, estão a participação de 45% de energias renováveis na matriz energética e 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico. Estas duas ações refletem de forma direta nos projetos que sejam propostos de arquitetura, os quais deveriam estar com base no pilar de eficiência energética que engloba arquitetura bioclimática, uso de equipamentos eficientes e incorporação de energia renovável.
Quais os principais parâmetros para se alcançar a eficiência energética nos edifícios e na cidade?
Nos edifícios é importante ver quais são os principais usos finais por setor, para assim poder saber onde atuar. Por exemplo, no setor residencial a parcela de consumo correspondente à ar condicionado, aquecimento de água por chuveiro elétrico e uso de geladeira é significativa, sendo em menor proporção à parcela que corresponde à iluminação artificial. Com relação à isso, o uso de equipamentos eficientes (geladeira, lâmpadas), como aqueles que são classificados nível A em consumo energético pelo Programa Brasileiro de Etiquetagem do Inmetro ou que tem Selo Procel garantem um baixo consumo energético. De outro lado, o uso de fontes alternativas de energia como aquecimento solar, reduzem a parcela de consumo de energia elétrica correspondente ao chuveiro elétrico. Já o consumo de ar condicionado pode ser reduzido primeiro com um projeto bioclimático, que esteja adequado ao contexto em que se encontra e que tira partido das características do local, através de um desenho passivo, onde se potencialize a orientação em função da insolação, ventilação, iluminação natural, sombreamento adequado, cores e desempenho termoenergético dos materiais conforme adequado. A plataforma Projeteee, criada pelo Ministério do Meio Ambiente, em cooperação com o PNUD e com o Laboratório de Eficiência Energética em Edificações da Universidade Federal de Santa Catarina – LabEEE/UFSC facilita o acesso a informações do clima e estratégias adequadas para um projeto bioclimático. O projeto arquitetônico com as especificações dos componentes, materiais, orientação, determina se a edificação proporcionará maior ou menor conforto aos usuários e portanto, precisará de mais ou menos consumo energético através de condicionamento artificial. O projeto também determina a melhor incorporação de energias renováveis. Somente depois que se tenha pensado em termos de eficiência energética no projeto é que deve ser pensado no uso de equipamentos de condicionamento ambiental eficientes, caso necessário e, na incorporação de energias renováveis, como por exemplo a fotovoltaica para produção de eletricidade, pois assim a demanda será menor.
De outro lado, no setor comercial, os usos finais podem variar um pouco mais, dependendo da tipologia, mas de forma geral se destacam ar condicionado, a iluminação artificial e o uso de equipamentos. Desta forma, neste setor, assim como na tipologia de edificações de serviço e públicas é muito importante o balanço entre ganho de calor admitido na edificação e a iluminação natural. Como nesta tipologia é muito comum o maior uso do vidro, é muito importante a orientação das fachadas e o sombreamento adequado, mesmo com o uso de vidros de melhor desempenho. Paredes externas e cobertura com mais baixa absortância solar, geralmente associadas a cores mais claras são também mais desejáveis. Também o uso de aparelhos mais eficientes, assim como a integração entre iluminação natural e artificial e, finalmente o comportamento do usuário pode ser decisivo para alcançar objetivos de eficiência energética, daí a importância da capacitação. Para o setor público, o projeto Cidades Eficientes, do Conselho Brasileiro de Construção Sustentável criou um portal com informações “Guia de melhores práticas para municípios brasileiros” que busca difundir boas práticas nas cidades, entre elas relacionadas à eficiência energética. O público alvo do guia são os gestores públicos.
Quando se pensa em edificações eficientes, deve ser pensado o projeto de forma global, desde o projeto arquitetônico, até a arquitetura de interiores, pois esta última pode contribuir para potencializar as ações adotadas para eficiência energética da edificação ou pelo contrário pode influenciar negativamente, caso não sejam consideradas premissas de eficiência energética.
Nas cidades é importante considerar o fenômeno de ilha de calor urbana, que aumenta a temperatura das cidades, o qual acontece por conta da remoção da vegetação, pelas propriedades térmicas dos materiais que se usam nas superfícies, como coberturas de fibrocimento por exemplo que apresentam uma alta absortância solar, ruas em asfalto e calçadas impermeáveis. A proporção entre as edificações e as ruas também influenciam na movimentação do ar através das edificações e no sombreamento. Algumas soluções que podem ser apontadas são o uso de coberturas vegetadas, coberturas frias, ou seja que tenham uma menor absortância solar sendo mais reflexivas e pavimentos mais permeáveis, contudo avaliando no contexto, de forma por exemplo, a evitar-se ofuscamento nos vizinhos no caso do uso de coberturas mais reflexivas.
As cidades são desenhadas a partir de leis urbanísticas que regulam a ocupação do solo e seus gabaritos. Qual a sua opinião sobre a eficiência energética das cidades brasileiras?
Na minha opinião a eficiência energética praticamente não é levada em consideração nas leis urbanísticas e com isso se estão perdendo grandes oportunidades. O microclima das cidades ou de certas zonas da cidade pode ser fortemente afetado pelas decisões tomadas no planejamento urbano, e isto pode impactar de forma direta no consumo energético das edificações do local. Igualmente preocupa a falta de convergência que se tem entre leis urbanísticas e normativas de desempenho. Por exemplo, algumas questões que são consideradas na norma de desempenho NBR 15575, como questões de iluminação natural, podem não ser atendidas em função do que é colocado em algumas leis urbanísticas.
Que princípios devem ser considerados para se obter ambientes mais sustentáveis?
Devemos considerar que sempre todas as nossas ações criam impactos no meio ambiente. Porém temos o dever com a nossa geração e com as gerações futuras de buscar um desenvolvimento que esteja alinhado com o objetivo da sustentabilidade. No ambiente construído significa projetar e construir buscando minimizar impactos, e de preferência criando impactos positivos no contexto no qual está inserido o projeto.
Sustentabilidade no ambiente construído envolve muitas áreas, principalmente arquitetura bioclimática que permite um uso racional de recursos relacionados à energia, materiais, sendo também muito importante um uso racional de água. Também deve ser considerada a relação adequada com o entorno, alta qualidade ambiental interna do edifício, considerar aspectos sociais e econômicos, flexibilidade e ainda considerar as mudanças climáticas e prever nos projetos respostas de adaptação e mitigação. Sustentabilidade considera a vertente ambiental, econômica e social, sendo que todos esses aspectos são importantes que sejam considerados dentro do conceito do ciclo de vida. Assim, por exemplo, o desempenho e custo no ciclo de vida de uma edificação, deve ser mais importante que o custo inicial. Sendo que o vemos no país é muitas vezes contrario a este conceito, em especial quando se fala de edificações públicas ou habitações de baixa renda.
Com relação à energia, a Etiquetagem de energia de edificações do PBE Edifica mostra o nível de eficiência das edificações. Para edificações residenciais, comerciais e de serviço ainda a adoção é voluntária. Contudo, a instrução normativa No. 2 de 04 de junho de 2014 colocou que todas as edificações públicas federais no Brasil, considerando novas ou retrofit devem ter o maior nível da etiqueta de energia (nível A) no PBE Edifica. Esta é uma política que, por exemplo, já é adotada em muitos países e cidades onde os usuários sabem qual o nível de eficiência energética das unidades que estão comprando/alugando, sendo também exigido para muitas edificações públicas. A metodologia da etiquetagem de energia de edificações brasileira está sendo atualizada com desenvolvimento pelo LabEEE/UFSC, e terá algumas mudanças, entre elas um maior incentivo na incorporação de energias renováveis em especial de geração local, na busca por estímulo a edificações mais eficientes e em acordo com a política pública que permite a geração de energia por parte dos consumidores.
Finalmente, na busca por ambientes mais sustentáveis, ressaltasse a importância de um processo de projeto mais integrado e multidisciplinar.