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A 105ª Plenária Ordinária do CAU/SC aprovou posicionamento político proposto pelo Colegiado de Entidades de Arquitetura e Urbanismo a respeito do contexto de pandemia que acomete as cidades brasileiras. “Apesar da avançada legislação urbanística e ambiental brasileira, a necessidade de combate à segregação socioespacial que marca o espaço urbano das nossas cidades, vem sendo negligenciada e muitas vezes esquecida pelos agentes públicos responsáveis pelo cumprimento das leis e da promoção do acesso aos bens produzidos pela sociedade como um todo”, diz o documento. “Da perspectiva da arquitetura e do urbanismo – disciplina que possui condições de orientar o desenvolvimento urbano de forma sustentável e ordenada -, é necessário reafirmar a importância do olhar para as cidades, com ações de curto, médio e longo prazo”, afirma outro trecho da carta. Confira a deliberação plenária

A partir deste posicionamento, as entidades propõem ações de curto, médio e longo prazo para o enfrentamento da crise gerada pela pandemia da Covid-19 e se colocam “à disposição de todos os órgãos e entidades públicas ou privadas para trabalharmos conjuntamente na contenção da pandemia”.

Leia a íntegra do documento:

Carta do CEAU-CAU/SC com orientações em relação à crise com a Covid-19

Tendo em vista a pandemia de COVID-19, que de forma progressiva vem tomando as cidades catarinenses e colocando em risco milhares de vidas, o Colegiado das Entidades Estaduais de Arquitetos e Urbanistas de Santa Catarina (CEAU-CAU/SC) vem se manifestar em prol da saúde dos cidadãos, das condições sanitárias de suas habitações, bairros e cidades, pelas condições de trabalho de pessoas envolvidas na construção civil, e pela promoção de melhorias das residências por meio da arquitetura e urbanismo.

A forma, distribuição espacial e a disponibilidade das habitações, dos serviços e dos espaços públicos nas nossas cidades, centrais na promoção da saúde e do bem-estar da população, têm refletido seus problemas históricos de desigualdade na vida dos catarinenses. Apesar da avançada legislação urbanística e ambiental brasileira, a necessidade de combate à segregação socioespacial que marca o espaço urbano das nossas cidades, vem sendo negligenciada e muitas vezes esquecida pelos agentes públicos responsáveis pelo cumprimento das leis e da promoção do acesso aos bens produzidos pela sociedade como um todo.

A situação da pandemia que vivenciamos escancara esta ferida e nos impõe a necessidade urgente de se encontrarem formas para sua mitigação. Da perspectiva da arquitetura e do urbanismo – disciplina que possui condições de orientar o desenvolvimento urbano de forma sustentável e ordenada -, é necessário reafirmar a importância do olhar para as cidades, com ações de curto, médio e longo prazo. Grandes mudanças nas cidades ao longo da história foram promovidas à partir da ação de urbanistas para atender demandas sanitárias. Cabe exemplificar o período conhecido como ‘higienista’, do final do século XIX e início do século XX, período no qual, à luz das novas descobertas da ciência em relação à bactérias e à necessidade do adequado saneamento, as propostas urbanas moldaram e estruturaram as áreas centrais das cidades brasileiras na busca por garantir maior ventilação e insolação nas edificações e logradouros públicos. Este período marca também o início da formação dos bolsões de pobreza no país, quando, sob a justificativa do higienismo, as populações pobres foram sendo expulsas das áreas centrais das cidades e passaram a ocupar os morros e suas áreas periféricas.

Esta breve contextualização se faz importante para que possamos compreender o tamanho do desafio que a realidade nos impõe neste momento histórico. Planejar a cidade do futuro não prescinde apenas de conceitos como as ‘smart cities’, deve sim considerar a inteligência de dados e a sustentabilidade ambiental na sua configuração, no entanto, não pode se omitir da responsabilidade social e da inclusão de todos neste processo. Os prognósticos dos centros de pesquisa sérios indicam que o cenário de interrupção de atividades coletivas, uso de máscaras, necessidade por isolamento social, deve se tornar constante até que tenhamos uma vacina, ou uma cura efetiva para a Covid-19. Assim, as mudanças nas trocas entre as pessoas configurarão o convívio coletivo, tanto no espaço público quanto no privado. Neste sentido, propomos ações e orientação das entidades membros do CEAU-CAU/SC em três perspectivas, a curto, médio e longo prazo, que devem ter início imediato e simultâneo, quais sejam:

● Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social. Uma habitação saudável é essencial para uma família saudável. A Lei 11.888/2008, que garante a famílias de baixa renda o trabalho do arquiteto e do engenheiro para uma habitação de qualidade, traz segurança e saúde para uma parcela grande da população. Sabe-se que até o momento, a única alternativa efetiva para garantir o isolamento social é ficar em casa, no entanto há muitas casas nas áreas empobrecidas das cidades onde convive mais de uma família em habitações com dois ou três cômodos, muitos sem janelas ou acesso à luz solar. No curto prazo é necessário que estas famílias tenham acesso à Arquitetura e ao Urbanismo, para que possam manter sua saúde em dia. Neste sentido, é preciso garantir a chegada de informações importantes sobre condições mínimas necessárias para uma maior segurança de todas as famílias catarinenses dentro se suas habitações: práticas de higiene; ventilação e insolação das moradias.

● Regularização fundiária. A regularização das cidades catarinenses deve ter como principal premissa, para além da titulação, a construção de cidades de qualidade, com toda infraestrutura necessária para um ambiente urbano acessível a todos e todas. As cidades precisam de saneamento, de abastecimento de água contínuo, de mobilidade para todos. Os bairros precisam do comércio local, das áreas públicas, dos equipamentos comunitários. A Regularização Fundiária deve ser aplicada de forma a garantir o acesso aos serviços para todos cidadãos, e não somente a titulação do imóvel, como vem sendo aplicada de forma equivocada. Neste sentido, o CEAU-CAU/SC reforça a importância, no médio prazo, da aplicação da REURB-S (Regularização Fundiária Social) sem custos aos beneficiários, e que os títulos dos imóveis sejam concedidos somente mediante a confirmação das condições mínimas necessárias. Essas condições mínimas é que efetivamente cumprirão a função social das cidades para com seus moradores, e oferecerão condições apropriadas e mais igualitárias de saúde e saneamento para toda a população.

● Arquitetura na área da saúde. Para além dos processos de ampla implementação das leis de ATHIS e da Regularização Fundiária, que devem ser trabalhados continuamente, há diversas contribuições mais imediatas que a arquitetura e o urbanismo podem dar à crise na saúde pública agravada pela pandemia. Estas ações, porém, devem ser fomentadas através de editais para que possam ser colocadas em prática pelos profissionais do Estado. Com isso, além de proporcionar o debate acerca de novas formas de combate à crise na saúde, os editais públicos ajudam a movimentar a economia, especialmente aquela ligada à construção civil. As entidades de arquitetura do CEAU-CAU/SC se comprometem em abrir diálogo e articular possibilidades para capacitação dos profissionais interessados em trabalhar com arquitetura ligada à saúde, de forma a atender à crescente demanda da sociedade, assim como têm se comprometido historicamente com a assistência técnica em habitação social.

● Otimizar e simplificar procedimentos de análise e aprovação de projetos e alvarás. O campo da construção civil emprega milhares de pessoas por todo o Estado, sendo um dos grandes atores na economia das cidades. Para a execução de obras, é imprescindível um grande período de planejamento e investimento de recursos, que em momentos de crise como este que estamos enfrentando, demonstra a necessidade de manter estes processos ágeis e simples. Para dar condições para uma retomada mais rápida de todo processo da construção civil, especialmente para as pequenas empresas e os profissionais autônomos das mais diversas profissões da cadeia, faz-se necessária uma otimização dos processos de análise e aprovação de projetos de forma coordenada entre todos os órgãos competentes, sejam eles municipais ou estaduais. Neste sentido, as entidades do CEAU-CAU/SC se colocam à disposição das prefeituras, da Federação Catarinense de Municípios e demais agentes que regulamentam as aprovações de projetos em Santa Catarina (corpo de bombeiros, vigilância sanitária, etc) para construção e consolidação dos modelos eletrônicos de aprovação de projetos, de forma a construir uma cultura de inovação, agilidade burocrática e transparência de dados.

● Fiscalização das obras para cumprimento dos requisitos de higiene e saúde dos trabalhadores. o retorno dos trabalhadores para a construção civil sem o devido preparo, após o período de isolamento social pode colocar em risco o grande esforço feito pela sociedade para conter a contaminação no estado de Santa Catarina. A experiência com as indústrias alimentícias no oeste do estado nos reforçam a responsabilidade dos construtores, arquitetos e engenheiros em manter as condições de higiene e organização das obras, como forma de garantir a saúde de todos e a manutenção das atividades de forma segura, mesmo em meio à crise da COVID-19. Grande parte dos trabalhadores da construção civil são pessoas em situação econômica e social mais vulnerável, que contam apenas com o apoio do sistema de saúde pública para o seu atendimento e de seus familiares ou dependentes. Muitas vezes, morando em condição precária, em casas hiperadensadas e sem as condições de higiene necessárias, o risco de contaminação é muito grande, além de aumentar a exposição de diversas pessoas da sua rotina de trabalho e cotidiano. Por isso, é crucial para a saúde pública que todas as obras/empreendimentos tenham de forma clara e eficaz medidas de prevenção de risco, e que estas tenham uma boa fiscalização para que o trabalho possa acontecer. Assim, o poder executivo deve fiscalizar o atendimento de decretos e portarias que regem sobre a segurança nos canteiros ativos no estado, garantindo a segurança de toda população catarinense. Neste sentido, as entidades de arquitetura e urbanismo do CEAU-CAU/SC também se comprometem a dar publicidade das regras aos colegas de profissão, de forma a serem também agentes fiscalizadores, ajudando no enfrentamento da pandemia dentro da construção civil.

● Plano de espaços de emergência. A crise na saúde pública causada pela pandemia traz à tona a necessidade de respostas rápidas. É fundamental que possamos responder à crise com espaços planejados para conter o avanço da COVID, tanto para tratamento adequado de infectados, quanto para apoio à pessoas de grupos de risco. Os planejamentos para hospitais de campanha têm que ter em mente o avanço rápido da doença e os leitos disponíveis no Estado dentro do Sistema Único de Saúde, que é o sistema que atende a grande maioria da população catarinense. E mais do que apenas o planejamento, é necessário ter transparência completa neste processo. Além dos hospitais, é preciso pensar nos milhares de famílias morando em condições precárias e pessoas em grupos de risco sem as mínimas condições de higiene e saneamento. Quando a pandemia atinge esses grupos vulneráveis, ela acaba tendo efeitos muito mais incontroláveis, e por isso é preciso frear essas consequências, dando as condições necessárias, utilizando-se, por exemplo, a rede hoteleira do Estado para abrigar quem mais precisa neste momento, assim como foi feito em outros estados da federação.

Sabendo que a construção de uma cidade mais saudável e igualitária é coletiva, nós, do Colegiado das Entidades Estaduais de Arquitetos e Urbanistas de Santa Catarina, nos colocamos à disposição de todos os órgãos e entidades públicas ou privadas para trabalharmos conjuntamente na contenção da pandemia, e na construção de ações concretas para não só superarmos essa crise, mas para construirmos cidades melhores e mais saudáveis para o futuro.

Florianópolis, 17 de julho de 2020.


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